terça-feira, 27 de abril de 2010

EU SOU UM POETA

Eu sou um poeta

Eu sou um poeta
Um mau poeta
Pois não tenho pudor
E nada sei sobre amar
Nada sei sobre amor.

Eu sou um poeta
Um poeta mal
Pois ainda vivo
Poeta bom é poeta torto
Poeta bom é poeta louco.

Eu sou um poeta
Mas não sou por prazer
Sou por dever
Por ter trabalho de versar
E prazeres e deveres misturar.

Eu sou um poeta
Pois só posso ser um
Só posso só ser
Se ser for só um
E posso ser só.

Eu sou um poeta
Mas não queria
A cordialidade
O cavalheirismo
É tudo mentira.

Eu sou um poeta
O mesmo que nada
O nada boiando no vácuo
O vácuo suspenso no vazio
Se sabe que eu existo, mas não vê.

Eu sou um poeta
Eu sou uma puta
Uma puta barata
Que cobra baratinho
Se me der carinho.

Isso de ser poeta
Não me leva a lugar nenhum
A não ser quando escrevo
E se escrevo eu perco o medo
De ser poeta.

Eu sou o pó da poesia
Eu sou o ópio do mundo.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

A MULHER QUE TRAI

A mulher que trai

Ela queima o feijão
Ela fala palavrão
Ela acorda tarde
E queima o bolo
Esquece de comprar pão
Bota açúcar no saleiro
E bota sal no café
Nem vai mais à igreja
Perdeu até a fé
Ela esquece do marido
Ela perde tudo
Perde a condução
Perde as chaves de casa
Nem espera no portão
Ela perde tudo meu deus
Esquece as crianças no colégio
Tem dor de cabeça
Tem insônia
Vira para o lado
Mas não dorme
Só pensa em sabe lá o quê
Mas tá sempre bem vestida
Sempre maquiada
Sempre sorridente
E muito perfumada
E quando passar na rua
Só assovios na porta do bar
Olha eu sei que ela gosta
Pois mexe no cabelo
E olha sem direção
Ai meus deus
Essa mulher me maltrata
Quando ela passa
Parece que nem pisa no chão
Carregando as suas compras da feira
Ela leva meu coração
E de metade do bairro inteiro
Ô pecadora sem perdão.

sábado, 24 de abril de 2010

VIVA

Viva

Que ânsia é essa de tocar o intangível
De sonhar o inimaginável
De supervalorizar os simples momentos
De levitar com beijos roubados.

Que insistência de abraçar o mundo com braços
De dar passos maiores que as pernas
De correr feliz como um paneiro ao vento
Desatenta como um ladrão em fuga.

E de que vale minhas palavras se nada lavram
Se o vento as leva para longe de teus ouvidos
E não me escuta porque não queres
E ficas surda como uma pedra.

Vá com calma com a alma no corpo
Te previne com a arma no bolso
O tempo não espera, mas sempre vai existir
E só se torna dinheiro quando se compra um relógio.

Procure observar se é isso que queres
Olhe por cima e de ponta cabeça
E não esqueça a vida é feita de escolhas
São bolhas, de sabão ao vento, pegue o tempo.

Mas o que você decidir está correto
É seu todo seu, é um mundo sólido, concreto
Mas se perguntares algo
Saberá de onde vem a resposta.

Saiba escolher
Procure entender
Este mundo é feito para você
Faça dele o que a vida irá te fazer
Viva.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

DESEJO

Desejo

Essa água desejando a sede
Esse remédio desejando a dor
Essa cura desejando o vício
E eu salto desejando o abismo.

A presença desejando a solidão
O descaso desejando o acaso
O simples desejando o complexo
Eu por fim meio sem nexo.

E o corpo desejando a alma
E o desejo desejando o beijo
O silêncio desejando o esporro
Eu longe do chão em cima do morro.

A loucura desejando o são
As nuvens desejando o chão
O sim desejando o não
Eu e a incerteza.

A repulsa e o desejo
O abraço amigo sem beijo
O pão desejando a fome
Eu olhando pro telefone.

O amor
O amor é o desejo de todas as coisas
O amor é todas as coisas
Todas juntas em direções opostas.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Ô NÊGA

Ô nêga

Se tu não puder me amar nêga, ora não finja
Não se ponha no altar, se faça se santa, ou se pinte de ouro
E afaste as mandingas que fez para mim.

Se tu não quiser me beijar nêga, não feche os olhos
Um dia foi doce esse beijo de amargo passou a insípido
E não cuspa no prato onde comeu.

Se quiser me falar a verdade nêga, então não minta
E não justifique possa piorar o que antes disseste
O silêncio sozinho já fala por si.

Mas não me deixe ir embora ô nêga
Mas não me deixe lá fora ô nêga
Já dou um jeito da gente se acertar.

“... vem logo vem curar teu nêgo que chegou de porre lá da boemia...”

O AMOR É CEGO

O amor é cego

Vou fazer de tudo pra você me notar
E com uma melancia no pescoço vou desfilar
Vou atirar pedras na tua janela no segundo andar
Vou por minha cara de cachorro num outdoor
Pra você se lembrar sempre que for trabalhar.

Vou te hipnotizar, te deixar sob meu domínio
Vou vender jornal na porta do teu condomínio
Eu preciso te fazer me notar, te fazer me ver
Vou aparecer num programa de TV
Fazendo uma declaração de amor pra você.

Vou bater na tua porta todo dia às cinco horas
E se você não abrir, tudo bem, eu durmo lá fora
Mas não vou embora enquanto você não me der bola
Vou fazer uma manifestação, pintar a cara e ir pra rua
Vou fazer greve de fome, vou fechar a avenida.

Mas se depois de tudo isso você não me perceber
Certamente vou saber por quê
Vou de imediato n’uma ótica
Comprar um óculos de grau pra você
O amor é cego, possa crer.

domingo, 18 de abril de 2010

O ATEU E O DIVINO

O ateu e o divino

Eu salivava pr’aquele corpo
Eu queria lamber morder ou algo parecido
Eu lambia com os olhos
Eu a queria em minhas mãos.

Aquilo era desumano
Era divino surreal
E eu enlouquecia por saber
Que eu era um simples mortal.

O que o homem não pode entender
Ele destrói
E quando eu toquei o corpo divino
Eu achava que eu era o herói.

Mas no fundo eu queria acabar com aquilo
Não aceitei ilusões diante de meus olhos
Se aquele corpo não podia ser meu
Não seria de mais ninguém.

Então me debrucei sobre ela
Como um esfomeado
Arranquei dela a beleza à força
Com minhas próprias mãos.

E fiz poemas
Pintei quadros maravilhosos
Esculpi
Exorcizei a beleza e transformei em arte.

Até não haver mais beleza
Até restar somente poemas de tristeza
Até existir somente o cadáver
Até saciar minha sede.

Então saciei minha fome
E devorei como um bicho
Aquele corpo vazio
Como um cão no cio.

Como um mendigo num banquete
E era o banquete nu
Até restar somente a lembrança
Uma doce lembrança de infância.

Então celebrei
Festejei
Cantei
Brindei
Dancei
Bebi vinho como um deus
Dancei o balé dos ateus.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

AMO VOCÊ

Amo você

Nunca mulher alguma me deixou sem palavras
Mas perto de você eu poderia ter morrido
Eu me perco desatento admirando seu vestido
E você rouba minha atenção como um cruel bandido
Mas sei que dentro de você existe algo escondido
Escondido sob uma calma que me ativa a libido.

Eu não sei de onde posso tirar forças pra te encarar
Te abraçar, te apertar contra o meu peito e dizer
Te dizer o que penso, que só penso em você
Que sonho todas as noites em sonhar com você
E que nesse sonho viajo sem rumo, perdido
Em vastos campos, colhendo as flores do seu vestido florido.

E meus gestos se atrapalham com as palavras
E as frases soam incompletas da minha boca
E não sei se  é verdadeira a recíproca
Idiota eu fico parecendo fazer mímica
E não sei o que falar
E não sei pra onde olhar
E não sei o que dizer
Só sei dizer que amo você.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

COMO PODE?

Como pode?

Nunca mulher alguma me deixou assim
Desconcertado
E nem lembro se alguma vez eu fiquei sem palavras
Calado
Nunca tremi diante de nada ou ninguém
Assustado
E nunca tive medo do quê os outros iam pensar
Abalado.

Nunca pensei que tua dança me encantaria
Enfeitiçado
Nunca pensei no quanto eram belas as flores do teu vestido
Rodado
E o quanto iria demorar pra sair o teu cheiro da minha roupa
Perfumado
Nem que eu estaria me sentindo como num sonho
Acordado.

Nunca pensei que eu poderia cometer um crime
Culpado
Teu abraço me aquece como o abraço da mãe
Apertado
É um presente um tanto raro e divino
Abençoado
E eu criminoso roubei um pouco do teu afeto
Pecado.

Como pode um ser tão maravilhoso existir
Encantado
E espalhar tanto bem na terra
Bem aventurado
Uma mulher de esplêndida beleza
Santificado
Não quero estar perto de qualquer tristeza
Acostumado.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

MENINA-MULHER

Menina-mulher

Quem é essa menina que já é mulher
Alguém sabe dizer o que ela quer
Quando olha com seu jeito doce
Antes somente minha ela fosse.

Quem é essa mulher
Que encanta como um balé
A dona de todos os olhares
De sorrisos subliminares.

Essa menina sabe que é mulher
Mas não é uma mulher qualquer
Sabe usar de todo o seu encanto
Santa pecadora de um pecado santo.

A mãe-menina-santa-louca-mulher
Acredite se você quiser
Ela samba pr’um céu infinito
O samba dela é muito mais bonito.

Incrivelmente verdadeira mulher
Livre como a água transparente do igarapé
Um jeito diferente de amar
É mulher e pra sempre será
Menina-mulher.

sábado, 10 de abril de 2010

SHANGRI-LA

Shangri-la

Quando olho ao meu redor e não lhe vejo
Quando sinto somente teu cheiro
Quando lembro somente o desejo
Este desejo em mim é traiçoeiro.

Ando em busca de teu paraíso
Bendito ou maldito me resta provar
Mil tesouros dos deuses ciganos e devotados
São beijos sedentos de amor e de amar.

Se for necessário abandono meu mundo
E desejo somente tua alma abraçar
Coroar-te a rainha de um reino de paz
E em busca deste sonho não irei descansar.

Vou te cobrir com o manto secreto de estrelas
Ter-te como a santa te por num altar
Fazer-te elogios de noite e dia
E lhe construir o divino Shangri-la.

Mas meu desejo é ambíguo
E entra em conflito esse meu pensar
Quero-te tanto como a santa divina
Como a pecadora sedenta de amar.

De dia serás a brisa que acaricia
O tesouro intocável, um lindo colar
De noite serás a vontade carnal
O antropocêntrico desnudo de Shangri-la.

O paraíso pra mim é teu corpo
É tuas mãos cuidadosas é teu olhar
O infinito pra mim ainda é pouco
E te desejando te “infinitar”.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O VÍCIO VERSA

O vicio versa

Sou escravo de mim
Do meu próprio vicio
Do meu vicio de te querer
E de assim só pensar em você.

A abstinência me maltrata
Tua falta me mata
Me tranca num quarto escuro
Se afasta, mas não me curo.

Ter você é uma droga
Que me tira me transporta
Me faz, querer mais
Mas me deixa a alma torta.

Ter você , meu vício
Me faz voltar ao início
A beira do precipício
Acordar ao solstício.

Te desejar em suplício
Escalar um edifício
Tudo em teu benefício
Te festejar em comício.

Meu vício versa
Teu verso me vicia
Me faz rastejar
Me faz passar as horas da agonia.

Meu vício versa
Se contradiz
E vice-versa
Meu verso vicia.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

ULTRAVIOLÊNCIA

Ultraviolência

O olho mecânico e doente que lambe o corpo de cabo a rabo
O olho com dentes contente que morde até sangrar
A fruta peçonhenta te acorrenta até que lhe falte o ar
Até que teus olhos te saltarem da órbita, até você gritar.

E se já não encontra saída resiste para ao menos sentir prazer
Pra entender que existe algo bom em ser estuprado
É o vislumbre dos dons das facas dançantes
Cante pra mim a velha canção, a mesma de ontem.

Somos as engrenagens que trabalharão pelo futuro
Somos os mecanismos da salvação
Eu sou o herdeiro de tudo o que deixaste
Vou cuidar de tudo o que construíste.

Imagine você se sou violento, é o momento
Me faz por pra fora o medo guardado por muito tempo
Mas se pergunta não sei responder
Não sei tirar de outra coisa o meu próprio prazer.

Então apenas aceite, se deite, se vire e tape os ouvidos
Um copo de leite pra afastar os enjôos por mim impelidos
E grite bem alto pra que todos te ouçam, gemidos
E os filhos da caridade que te faço serão bem nascidos.

O velho entra-e-sai e por que não cantarmos
Se somos escravos desse novo vicio
Se você fizer seu papel bem feito
Essa cicatriz lhe dará um Oscar de melhor atriz.

Ultravioleta, ultraviolência
Tortura aos escravisadores de corpos da noite
Eles nada merecem senão nosso desprezo
Senão nosso cuspe, nosso açoite.

Morra pelo trator dos interesses partidários
Estarás a chorar no fundo de uma cama
Por teus crimes serás expurgado
E rejeitado por aqueles que mais ama.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

NOSTALGIA

Nostalgia

Saudade não tem idade, não tem nome ou endereço
Se me condicionas a essa prisão é porque mereço
E o mínimo que posso dizer
Que isso é meu apreço
Vou morrer como Tim Maia
Vou morrer de saudade
Ou de cirrose bebendo pra esquecer.

Eram bons tempos sim e não esqueço
Fiz o que fiz e por isso te desmereço
E somente posso reconhecer
E reconheço
Vou morrer como Cobain
Com um tiro na cabeça
Para que eu pra sempre esqueça.

Eu e o tempo somos o avesso do avesso
As lembranças são como flechas num arremesso
O que me resta é desaparecer
E desapareço
Vou morrer como o Rafael
Escrevendo sobre o saudosismo
E revivendo a cada lembrança.

terça-feira, 6 de abril de 2010

EU VI O DR. HOUSE CHORANDO NO JARDIM

Eu vi o Dr. House chorando no jardim

O quê me resta se tudo são flores
E se eu pergunto, elas nada respondem
Eu sei que as sufoco extraindo delas o teu perfume
Tentando dar vida e cor ao concreto cinza

Mas elas resistem como os santos no tempo
Como os sapatos gastos guardados no armário.
Como as armas da guerra guardadas no museu
Como as palavras do profeta
Certa como a fama pós-morte do poeta
Como as lembranças do verão
Como a primeira vez da garota de dezesseis.

E as borboletas que nunca encontram o que procuram
E se encontram vadias de beijo em beijo
Elas amam e desamam e pedem perdão se arrependidas
E estão enclausuradas nessa sensação de liberdade.

A não ser que suma do dia pra noite o jardim
Que Deus mande o fogo da purificação
Que os soldados marchem sobre a grama
Que os palhaços piromaníacos contracenem
Que armem sobre as flores o pão em circo
Que chova ácido ou as lágrimas russas de pão e paz
Que os tratores capitalistas dancem em celebração

segunda-feira, 5 de abril de 2010

MENTIRA

Mentira

Quero beijar teus lábios
Somente pra saber
Se bebeste da taça da verdade
Se falaste a língua dos anjos
Se te banhaste na fonte da liberdade
E contra os demônios praguejaste.

A mentira é uma algema dourada
É um vicio uma ilusão
A verdade vos libertará
A mentira é uma confortável prisão
Mas a mentira é o “X” da questão
A verdade nos leva a duvida
E a mentira nos faz pensar.

Todo mundo mente
Uns mais outros menos
E mente por quê?
Para algo esconder
Para um segredo guardar
Por prazer.

Uma verdade contada mil vezes chateia
Uma mentira contada mil vezes é uma verdade.

SERENA

Serena

Essa tua calma me chacina a alma
Ora não me tenha pena doce e serena
Sereno carma me desarma
De gigante me apequena.

Essa tua paz minha contra-festa
Tua paciência minha turbulência
Tua tranqüilidade me aniquila
E esse silêncio minha penitência.

Ora larga mão dessa açucena
Tua pureza me envenena
Te quero já te quero má
Malina, maluca, ó melena madalena.

domingo, 4 de abril de 2010

PACIÊNCIA

Paciência

A gente perde as chaves de casa
E acha a porta sempre trancada
A gente bebe e perde o juízo
E no caminho a droga da escada
A gente perde a hora da aula
Toda perda é um prejuízo.

A gente perde a memória
Perde o rumo da história
Perde o ultimo trem
Procura primeiro debaixo da cama
Acha o que não procura
E perde o que lhe convém.

Perde a cabeça e grita
E fala o que não devia
Perde o medo e salta
E acha no fim o chão
Perde a razão
E acha sozinho a solidão.

Quem procura acha
Se você assim perder algo
Não perca a paciência.