quarta-feira, 21 de outubro de 2009

FANTASMA

Fantasma

Quando a música acaba
As luzes acendem
A verdade aparece
Quando a bebida acaba
Os lábios secam
A alma seca
Quando amanhece
O sol vai apagando as memórias
Da noite passada
E o cigarro que te distrai
Dura dois minutos apenas
E é uma pena saber
Que você não estava preparada
Porque a lembrança será sempre uma cilada
Um milhão trezentas e quarenta e duas mil vezes o teu karma
Porque toda noite
Você se deita com um fantasma
Assim fica difícil enterrar os próprios mortos
Principalmente se você tem o que os mantém vivos
Difícil levar isto a sério
Quando se mora num cemitério
Quando se tem o mau a sete palmos dos teus pés
E bate na mesma tecla
Todos os dias antes de dormir
E sonha o mesmo sonho
Sem nexo
E despeja na alma
Bebida e sexo
E vaga a noite inteira
Tentando dormir
Tentando fugir
Sem ter pra onde ir
Assim
As noites vão te consumindo
Vão te levando e te trazendo
Pro mesmo lugar
Fazendo você andar em círculos
Dando voltas na própria existência
Sentindo um aperto no peito
Uma vontade louca de gritar
De por pra fora esse mal
De expulsar o fantasma
Que deita toda noite
Contigo na cama
Mas você só tem lágrimas
E somente lágrimas não podem expulsá-lo
Não podem exorcizá-lo
E faz de tudo pra esquecer
Mas ele está preso a você
Está algemado nos teus braços
Acorrentado aos seus pés
E ele come contigo na mesa
Te faz dormir com a luz acesa
Ele deita contigo na cama
Ele te ama
Por isso não te deixa
Por isso não se queixa
E não te ouve reclamar
Não liga se você chora
Pedindo pra que ele vá embora
Ele nunca vai te deixar
E implora pra que ele morra
Mas ele não morre
E acha que ele te fere
Mas quem se fere é você mesmo
Atira no escuro
E se mata
Mas não morre
E volta
E respira
E conta até dez
E olha pro lado
Lá está ele
O incômodo
O vulto branco
Te olhando
Mas você não vê os olhos dele
Porque esses olhos não olham pra você
Mas você vê
Apenas o sorriso
O sorriso no escuro
Lhe arrancando a vida
Goela a acima
Lhe enfiando a dor
Goela abaixo
Então você descobre
Que não pode lutar
Que já não tem forças
Então deita
E cede
E deixa ele fazer o trabalho sujo
E ele te devora
E se lambuza
E faz muita sujeira
A noite inteira
E você fecha os olhos
E reza pra acabar
Mas o tempo não está ao seu favor
E demora
E dói
E você pensa em como fugir
Nas não tem portas
E nem janelas
Então de repente
Ele se levanta
Como satisfeito
Se veste
E se vai
Sem falar nada
Uma só palavra
Daquela boca nada sai
E você vira
E tenta dormir
Mas o sono não vem
A dor não deixa
Porque no outro dia
Você sabe que ele vai estar lá
Vai te esperar
Na tua cama
Sem dizer uma palavra
Como um fantasma
Uma lembrança
Latente na memória.

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