segunda-feira, 2 de agosto de 2010

TEXTO ANÔNIMO

Texto Anônimo

Minha mãe me dizia sempre
Que eu nunca daria para o que realmente presta
Mas eu tinha os maxilares fortes
E devorava as tardes afundado num livro
Um livro roubado
De onde? Não lembro!
Se fui pego? Nunca!
Eu era esperto
Aprendi na rua a viver
Aprendi a não precisar da rua pra viver
Mas se dormi nela? Sim, por tantas as vezes que me mandavam embora
Até alguém se arrepender ou se compadecer da minha solidão
Dito eu garoto forte e esperto só perdi pra mim mesmo
E pra uma garota que vai amamentar um filho que não é meu
Se lembro dela? Como se fosse ontem
Como se ela nunca tivesse ido embora
O que é pior!?
Pois se eu a mandasse embora
Era como se a mim mesmo fosse assinado uma demissão
Como se a mim mesmo fosse ensaiada a despedida
Pode parecer estranho pra quem não entende
Mas pra mim é completamente normal
Ou nunca mandaste embora quem o ama?
Aposto este Zippo zerado
E ponho minha mão no fogo por isso
Ô maldita esperança!
Esse é meu mal
Dar primeiro a cara a tapa
Pra depois duvidar
Mas não vai ser sempre assim não
Ou de que me vale ter assistido mais de cinqüenta vezes o Laranja Mecânica
Todo mundo tem um Alex dentro de si
Pode olhar que tem
Todo mundo explode um dia
Seja de tristeza ou alegria
De cólera ou sei lá o quê
E quando temos que obedecer
É sempre assim, sempre
Duvida?
Muleque tu num sabe o que eu já vi por aí?
Já vi muito
Já ouvi muito ditado popular querendo me dar exemplo
Eu já não sou um bom exemplo?
Ou como dizia o Millôr:
“Eu posso até não ser um bom exemplo, mas sou um bom aviso”
Porra se te pedi pra ficar é porque eu posso te pedir
É porque quero que você fique
É porque acho que devia ficar
Pro jantar
E porque é tudo tão difícil?
Se minha mãe me diz que já não vou dar pro que presta
Deixa de ser besta, deixa de ser besta
Deixa de deixar os outros fazerem o que querem contigo rapaz
Te esperta
Olha o mundo aí
Ninguém tá só não
Todo mundo se fode no final
E no final vai todo mundo junto
Vai tudo pro mesmo buraco
Mesmo que a vida seja curta
E não é?
Senão de que me vale viver?
Se eu achar que vou viver a vida toda
Se eu não pensar que o mundo é apenas um quintal
Ao invés de ficar aqui penteando cabelo de manga
Eu vou pro mundo
Eu sou do mundo
Desde quando eu fugi da escola
E da igreja
Mas foi porque eu não conseguia conter a minha gargalhada
Justo na hora da aula
Justo na hora da missa
Aqui no mundo ninguém me entende
Mas o melhor é que ninguém fica tentando me entender
Ninguém quer saber pra onde estou indo
Ninguém vem me perguntar
Se estou dançando Chopin
Ou se é Carimbó
Viva essa massa espessa de terra achatada nos pólos como uma maçã
O mundo é só isso
O mundo é só
Êta, mundo besta
Pra onde vão todos quando chega o fim?
Quando as luzes se apagam?
Onde estão todos quando estou só?
Será que estão em alguma partida de pôquer num porão de um Pub londrino
Ou numa budega bebendo cachaça e caindo pro lado
Santa mãe do céu!
Onde isso acaba?
Devia acabar no início
Não antes de dar uma volta completa em torno de si próprio
E fazer uma análise precisa de como volta ao início
Devia acabar no Inácio
Eu acho
Antes que os olhos se direcionem ao precipício
E ganhe coragem antes de acertar na Mega-sena
Eu juro que eu quis ficar divagando aqui por um longo tempo
Mas a pouco fui me olhar no espelho do banheiro
E minha cara está péssima
Sabe uma mistura de choro contido, com sono fulminante
E mais uma dor de cabeça que vem e vai
E enquanto eu não dormir ela volta
Eu posso chorar de novo
Mas prometi que nunca mais ia chorar
Não por qualquer coisa besta
Não como ainda pouco
Meu maldito vício de quebrar promessas
Promessas colam com cola?
Prometo nunca mais ficar assim
Ou perder uma noite de sono sequer.

Um comentário:

  1. Traduzir poemas é tarefa difícil, especialmente os seus...Mas esse poema intitulado "texto anônimo" me causou uma série de sensações e até mesmo inquietação..até que ponto o real, o biográfico está contido no fictício? Senti tristeza, desabafo,solidão...E senti até vontade de chorar, mas também senti vontade de sorrir por me identificar...

    Se no final "vai todo mundo junto
    Vai tudo pro mesmo buraco
    Mesmo que a vida seja curta
    E não é?
    Senão de que me vale viver?
    Se eu achar que vou viver a vida toda"
    Concordo com vc e concordo também que todo mundo tem um "Alex" dentro de si, mas poucos tem coragem de botá-lo pra fora!

    O texto é de uma complexidade e uma espécie de desabafo sem igual, é mais um texto que vai pro meu mini best of Rafael...

    Beijos meu caro e nunca deixe de escrever nessa vida, ainda que "ninguém queira saber pra onde vc está indo",certamente terão os que queiram saber o que vc está pensando, portanto escreva!

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