quarta-feira, 9 de junho de 2010

RAFAEL 233

Rafael 233

quando eu morri
eu fui ao céu
e vi um lindo balé
de anjos com uma asa só
numa coreografia incestuosa
sem sincronismo algum
o balé era ordenado
por um deus
de vértebras
e articulações
oxidadas
que rangiam
enquanto ele orquestrava
balançando seu chicote de fios de cobres
no ar
tentando atrapalhado
por ordem na dança
eu boquiaberto
observava
atento
foi quando
um santo de barro
me estendeu a mão
e me convidou
para tomar chá
com bolo de haxixe
enquanto assistíamos
outro maravilhoso show
onde
centenas de guilhotinas simétricas
decepavam cabeças
e as cabeças rolavam morro abaixo
enchendo um rio com seu sangue
onde crianças brincavam
e gritavam e corriam
“eu sou deus, vou te matar”
e dessas crianças
veio uma garotinha
num vestidinho rosa e sujo
com uma boneca sem cabeça nos braços
e estendeu-me a mão
como quem oferece ajuda a um pobre coitado
e me levou até um jardim
onde havia música e bebida
e todos estavam perdidos
pois eram cegos e surdos
e tateavam no jardim
se esbarrando
tropeçando e caindo
sentamos a uma mesa
havia vinho quente e hóstias
e comi como um cão faminto
bebi como um bêbado
depois caí no sono
e acordei na minha cama
mas não estava totalmente acordado
meus lençóis estavam ensangüentados
mas aquele sangue não era meu
havia uma mulher ao meu lado
morta
e da janela percebi
que estava em um hotel
e eu não sabia o que havia acontecido
nem o que eu fazia lá
foi quando a polícia invadiu o quarto
e me algemaram
eu jurava inocência
fui julgado
condenado
trinta e cinco anos
não durmo a dias
com medo de sonhar
o mesmo sonho de novo.


3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Olha mais uma vez a "tal" da guilhotina que em outrora(em outro poema), decepava nossas cabeças também...(rsrsrs!)

    Esse céu que vc foi mais parecia outra coisa que não está em cima e sim em baixo segundo reza a lenda...Anjos com uma asa só...Deuses com vértebras oxidadas...o céu estava de cabeça pra baixo...Quanta viagem em uma noite só...

    Onde termina o sonho de verdade e onde começa a invenção? Tanto faz,dentro do universo dos poemas isso é o que menos importa...O grave não é confundir as idéias ou as palavras mas sim a realidade...

    35 anos de cadeia?...hum...haja poema escrito dentro do cárcere...

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  3. ficou demais
    não precisa ficar com medo de ter esse sonho de novo,
    um sonho sonhado duas vezes,é poesia(ou melhor vira poesia) ...o resto é pesadelo rs

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