domingo, 19 de junho de 2011

INFERNO

Inferno


Eu invadi aquela boca como um mendigo sacia a fome num banquete
E se fez um silêncio mórbido como se a morte espreitasse aquela encenação profana
E engoli a língua, as palavras até restar somente um silêncio de tortura
E nos comemos na imundície naquela cena vazia de amor metafísico.


As quatros mãos assassinas operavam com o intuito de despir aqueles corpos prostituídos
Dois corpos ofegantes possuídos pelo xamã dos desejos demoníacos
Ambiciosos, vadios, sedentos do sangue e do suor alheio
E essas mãos percorreram outros corpos na vontade insólita de se tocar.


No próximo ato, do assassinato estão os dois corpos desnudos artisticamente
E como em arte sacra, eles se devoram e perpetuam o teatro maligno
E como duas máquinas, dois anjos caídos trocavam torturas
Como o percurso silenciosos do disparo em direção à vitrine.


Havia a chave, mas se preferiu arrombar a porta com violência
E acenavam em tom de despedida com choro e dor a inexistente da inocência
Assim era lançado o desafio às leis científicas quando dois corpos procuram ocupar o mesmo lugar
E da água pro vinho, da noite pro dia se fez terrorismo e poesia.


E diversas formas, meios, jeitos, posições de se consumar o inegável fato
E as almas no inferno escarneciam presas aos momentos e a cada olhar
Dois animais numa luta intensa e desigual, pois ambos os corpos não ocupam o mesmo plano
Dois bêbados dançando o tango, auto-consumindo o desejo da própria sede.


O quintal invadido pelo vento, as roupas no varal e o arrepio na espinha
O cheiro de urina, fezes, esperma e perfume francês em perfeita harmonia
Um canto lírico mas de teor tribal, brindava sorrisos e xingamentos canibais
Gritos semelhantes aos de Linda Lovelace cinematograficamente púrpuros e suicidas.


Aqui se cospe no prato onde deve comer, coma boca cheia, de joelhos, piedade
Ele puxa os cabelos dela, elas arranha as coxas dele numa prova de amor
A prova de que o amor existe até numa reação química
E aquela multidão de pessoas passa as pressas com o intuito de cruzar o mar vermelho, mas são engolidos até o limite do horror.


Depois se beijaram, depois se deitaram, acenderam cigarros e fizeram silêncio
E lá ficaram parados, embalsamados, no éter da eternidade
Estáticos como duas estátuas nuas sob a chuva por toda a tarde
Até que o tempo os oxidasse, com as rugas e as folhas e os frutos podres das árvores

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