segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A HISTÓRIA DE UM CORAÇÃO SOLITÁRIO E VAGABUNDO

A história de um coração solitário e vagabundo

Quando eu dei por mim ele já estava lá repousando como uma criança
Não questionei, não reclamei, apenas deixei que ficasse
E ele ficou, sereno e sonolento batendo ritmado e tranquilo
Se hospedou naquele lugar apertado e escuro de meu peito
E meu peito era como um claustrofóbico quarto de empregada
E assim ele esteve em silêncio então não lhe cobrei nada.

Até que num belo dia o ouvi cantarolando e batendo em ritmo de samba
No inicio parecia algo normal, pois de samba eu também gostava
E era até bonito o jeito da sua suave e alegre melodia
Ele havia encontrado uma razão para suas pulsações, uma moça
Era uma bela moça com um belo coração de festa de aniversário
E assim ficaram todos os dias batendo compassados, dois corações livres.

Ele logo mostrou interesse e todos os dias acordava cedo, o coração-trabalhador
E o coração dela amanhecia na cama numa linda preguiça de sono feminino
E todos os dias eles sonhavam batendo felizes e satisfeitos quase que em sincronia
Ele aprendeu com ela, ela com ele, juntos somaram muitos aprendizados
E sempre que podia ela lhe dizia coisas fantásticas que só um coração de mulher pode entender
E ele ficava maravilhado com tantas coisas incríveis que juntos eles descobriam.

Mas o coração dela era um coração alado e sempre sonhava voos mais altos
Era um indomável coração de mulher como só um coração de mulher deve ser
Meu peito então se tornava pequeno demais perante as suas vontades cada vez maiores
E junto com o coração dela ele quis voar para além de todos os céus possíveis
E ele abandonou meu peito assim como chegou sem aviso prévio de nada
E voou, voou no sonho mais incrível e intenso de Ícaro, como o Pégaso indomável cavalgando entre nuvens.

Minha vida voltava ao normal, eu sem coração raciocinava melhor para as coisas
Eu conseguia enxergar melhor os obstáculos e transpassá-los
E levava minha vidinha miserável de homem solitário
Não sentia mais nada e nem desejava mais sentir
Pois os sentimentos me atrapalhavam as outras coisas que estão fora do coração
Apenas existia, pois sem coração só se pode existir.

Mas numa noite durante um sono profundo alguém me batia à porta
Ao abrir lá estava ele, triste, solitário e bêbado, um verdadeiro coração vagabundo
Ele entrou no meu peito e se acomodou deitando pesadamente e dormindo
E novamente não questionei, não fiz perguntas apenas aceitei normalmente
Ele dormiu durante alguns dias e parecia estar tudo em paz novamente
Ainda pensei em ir lá e lhe cobrar aluguel, lhe cobrar respostas, mas não o fiz.

Mas a calma em que ele estava durou somente durante seu profundo sono
Quando ele acordou já não era o mesmo, estava frio e com um ar maligno
Era o coração negro, o coração satânico, o coração tropical coberto de neve
Um coração de açougueiro e aquilo me assustou, de início e tive medo de questioná-lo
Mas como vi o mal ele fazia a si mesmo fui tentar uma conversa
E ele me recebeu de pedras nas mãos, de arma carregada, uma injúria à minha pessoa.

Lhe dei do próprio remédio e despejei nele álcool e cigarros e sexo
Cada noite com uma marca de cigarros nova, com uma bebida diferente, com uma mulher mais suja que a anterior.
Isso aconteceu por umas semanas e no começo ele resistiu, mostrou-se forte
Mas os dias iam se passando e aquela vida sem sentido ia lhe consumindo
Ia lhe torturando acordar todos os dias na sarjeta sujo e sem dinheiro
Foi quando ele veio até mim e decidiu falar.

E falou de como foi incrível sua jornada em busca do infinito ao lado daquela que foi sua
Mas que ela se encheu de tédio, que tudo o que ele lhe dava não mais a satisfazia
Que ela havia se fechado e jogado a chave fora e voou para mais longe
Ele vagou desolado perdido por longos dias e longas noites sem rumo
Tudo em sua vida não fazia mais sentido, tudo era incerto e sem nexo
Foi então que ele se descobriu sozinho pra sempre e resolveu voltar.

Reconhecendo seu erro de encegueirado eu o aceitei de volta
Desde que ele se portasse como no inicio e tentasse deixar a paz prevalecer entre nós dois
E assim foi novamente, não se ouvia mais nada naquele cubículo que é meu peito
A não ser um coração solitário batendo em silêncio
Estou feliz por a gente se entender apesar de ser assim sem comunicação
Mas é melhor que seja assim, pois não posso me dar ao luxo de assumir um coração louco como este meu, um coração de poeta.

Foi preciso contar essa história para poder explicar o porquê de você ter ouvido uma batida parecida como samba por esta manhã no meu peito
Aquela moça de coração indomável voltou e dizem que mudou
Que passou por tudo o que eu passei
Mas dessa vez se tiver de acontecer de novo eu vou estar preparado
Não cometo o mesmo erro duas vezes, não mais.

Um comentário:

  1. Nossa...gostei desse texto!
    Como seria "uma bela moça com um belo coração de festa de aniversário"?...tento imaginar...Que metáfora inusitada e criativa!
    Acho que o texto em si nos revela mais um pedacinho da história do coração de quem o escreveu...

    Abraços!

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